Por maioria de votos (5 a 2), o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro
por oito anos, contados a partir das Eleições 2022. Ficou reconhecida a prática
de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante
reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia
18 de julho do ano passado. Walter Braga Netto, que compôs a chapa de Bolsonaro
à reeleição, foi excluído da sanção, uma vez que não ficou demonstrada sua
responsabilidade na conduta. Nesse ponto, a decisão foi unânime.
O julgamento foi encerrado na tarde desta sexta-feira (30) com a
proclamação do resultado pelo presidente da Corte, ministro Alexandre de
Moraes.
Consequências
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator,
ministro Benedito Gonçalves. Com isso, ficou determinada a imediata comunicação
da decisão à Secretaria da Corregedoria-Geral Eleitoral (CGE), para que,
independentemente da publicação do acórdão, se promova a devida anotação no
histórico de Jair Bolsonaro no cadastro eleitoral da restrição à sua capacidade
eleitoral passiva, ou seja, da impossibilidade de se candidatar e ser votado em
eleições.
A decisão também será comunicada imediatamente à Procuradoria-Geral
Eleitoral (PGE), para que analise eventuais providências na área penal; ao
Tribunal de Contas da União (TCU), devido ao provável emprego de bens e
recursos públicos na preparação de eventos em que se consumou o desvio de
finalidade eleitoreira; ao ministro Alexandre de Moraes, relator, no Supremo
Tribunal Federal (STF), dos Inquéritos nº 4878 e nº 4879; e ao ministro Luiz
Fux, relator da Petição nº 10.477, para conhecimento e providências que
entender cabíveis.
Mentiras e desinformação ameaçam a democracia
Ao proclamar o resultado, o presidente do TSE fez uma defesa firme da
Justiça Eleitoral e do sistema eletrônico de votação, vigente no país desde
1996. Moraes advertiu contra as mentiras e a desinformação propagadas por
indivíduos, grupos e ocupantes de cargos eletivos, com a finalidade de
desacreditar, sem qualquer prova, a integridade das urnas eletrônicas, visando
desestabilizar a própria democracia.
No voto, o presidente do TSE enfatizou que houve desvio de finalidade na
conduta de Bolsonaro ao defender uma pauta pessoal e eleitoral faltando pouco
mais de dois meses para a eleição. O discurso, segundo o ministro, instigou o
seu eleitorado e outros eleitores indecisos contra o sistema eleitoral e contra
as urnas eletrônicas. O ministro lembrou que, independentemente do público que
ali estava, a repercussão nas redes sociais era voltada especificamente a quem
poderia votar no então candidato à reeleição. Para Moraes, o desvio de
finalidade foi patente, uma vez que a reunião como chefe de Estado serviu para
autopromoção do candidato e para atacar o sistema eleitoral pelo qual ele mesmo
foi eleito em 2018. “Não são opiniões possíveis, são mentiras fraudulentas”,
enfatizou.
A ministra Cármen Lúcia apresentou o voto que formou a maioria pela inelegibilidade
na sessão de hoje. Para ela, o evento teve nítido caráter eleitoreiro.
Já o ministro Nunes Marques acompanhou a divergência aberta pelo
ministro Raul Araújo, ao votar pela improcedência da ação. Na opinião do
ministro, o evento com embaixadores não foi “capaz de minimamente perturbar a
legitimidade e a normalidade de um pleito do tamanho da eleição presidencial”.
Veja como votou cada ministro:
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Benedito Gonçalves (leia a íntegra)
O relator da Aije foi o primeiro a votar pela inelegibilidade de Jair
Bolsonaro e destacou que houve responsabilidade direta e pessoal do
ex-presidente ao praticar “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à
reeleição”. Na sessão do dia 22 de junho, o ministro ressaltou que o abuso de
poder político se caracteriza como ato do agente público praticado mediante
desvio de finalidade, com a intenção de causar interferência no processo
eleitoral. Ele ressaltou que o uso indevido dos meios de comunicação ficou
caracterizado na exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos
demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral.
Para o relator, a Aije possui balizas sólidas para a aferição da
gravidade, desdobrando-se em dois aspectos: qualitativo, no alto grau de
reprovabilidade da conduta; e quantitativo, na significativa repercussão sobre
a disputa eleitoral.
Leia mais: Relator vota
pela inelegibilidade de Bolsonaro por 8 anos a partir das Eleições 2022
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Raul Araújo (leia a íntegra)
Primeiro a votar após o relator, o ministro Raul Araújo abriu
divergência para julgar improcedente a Aije do PDT. Araújo considerou que o
discurso feito por Bolsonaro aos embaixadores não teve gravidade suficiente
para quebrar a igualdade entre futuros candidatos ao pleito nem influenciar
negativamente o comparecimento massivo de eleitores às urnas eletrônicas nas
eleições de 2022. “A intensidade do comportamento concretamente imputado, a
reunião de 18 de julho de 2022, e o conteúdo do discurso não foram tamanhos a
ponto de justificar a medida extrema da inelegibilidade”, afirmou o ministro.
Araújo destacou que a Justiça Eleitoral deve ter uma intervenção mínima
no processo eleitoral e que o TSE tomou, em análise de representações, as
medidas cabíveis para preservar a normalidade do pleito contra discursos de
eventuais candidatos que se mostraram excessivos e que desrespeitaram a
legislação eleitoral.
O ministro também divergiu do relator quanto a uma preliminar proposta
pela defesa de Bolsonaro que pedia a exclusão – dos autos do processo – da
minuta de decreto de estado de defesa encontrada na residência do ex-ministro
da Justiça Anderson Torres. Em fevereiro deste ano, o Plenário do TSE
já havia referendado, por unanimidade, decisão do relator que incluiu no
processo a minuta. Raul Araújo disse que concordou com a
inclusão da minuta naquele momento, mas, ao analisar o mérito, entendeu que o
vínculo daquele documento com os termos da Aije não ficou comprovado ao longo
da instrução do processo.
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Floriano de Azevedo Marques (leia a íntegra)
Ao acompanhar o relator, o ministro Floriano de Azevedo Marques dissecou
o discurso do ex-presidente no evento com embaixadores e identificou quatro
linhas de retórica, todas com conotação eleitoral, ressaltando ainda que o
enquadramento jurídico está focado no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990
(Lei de Inelegibilidade), particularmente em condutas que caracterizem desvio
ou abuso de poder ou utilização indevida dos veículos ou meios de comunicação.
“Diz a lei: apurada essa conduta abusiva, a Justiça Eleitoral aplicará a sanção
de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos
subsequentes à eleição que se verificou”, destacou. O ministro analisou
detalhadamente a fala do ex-presidente na ocasião da reunião e destacou sete
pontos.
1) O evento em questão não se inseriu nas atividades diplomáticas de
representação do país perante autoridades estrangeiras.
2) A organização da reunião não ficou a cargo dos órgãos que seriam
competentes para fazê-lo, o que demonstra não se tratar de um ato regular de
governo.
3) O evento foi realizado fora dos lugares próprios e adequados
para atos de governo, sendo realizado na residência oficial (Palácio da
Alvorada).
4) O discurso proferido teve nítido caráter de estratégia eleitoral
para valorizar a imagem do candidato, bem como para manchar a imagem do
principal opositor e tentar criar empatia com o eleitorado, apresentando-se
como candidato perseguido e contra o sistema.
5) O discurso teve também caráter voltado a deslegitimar e colocar
sob suspeita o processo eleitoral, gerando potencialmente um desincentivo à
participação do eleitor com vistas à obtenção de benefícios.
6) O discurso primou pela desinformação e por acusações sabidamente
falsas ou no mínimo improváveis.
7) O discurso visava trazer benefício eleitoral.
“Houve desvio de finalidade, na medida em que o primeiro investigado
usou das suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente reunião
diplomática com o objetivo, na verdade, de responder ao TSE e construir
uma persona de candidato, servindo-se dos meios e instrumentos
oficiais, inclusive de comunicação social, para alcançar o seu real
destinatário, o eleitor, seja o já cativado ou aquele a conquistar”, afirmou.
Ainda de acordo com o ministro, houve abuso de poder político, pois o primeiro
investigado mobilizou todo o poder de presidente da República para emular sua
estratégia eleitoral em benefício próprio, agindo de maneira anormal, imoral e,
principalmente, grave. “Portanto, para mim, o abuso e o desvio da autoridade
estão claros”, asseverou.
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André Ramos Tavares (leia a íntegra)
Na mesma linha, o ministro André Ramos Tavares votou pela
inelegibilidade de Bolsonaro. Segundo ele, houve o uso indevido dos meios de
comunicação para promover a reunião, e o impacto social do uso das redes
digitais nesse contexto não deve ser menosprezado. “É grave quando o caos
informacional se instala na sociedade, e é ainda mais grave se esse estado é
planejado e advém de um discurso do presidente da República”, advertiu o
ministro, ao destacar que “a confiança dos eleitores nas instituições democráticas
deixa de existir e, com isso, a própria liberdade de voto fica viciada”,
acrescentou.
O ministro ainda pontuou que não se ignora, no caso, que o acusado se
beneficiou da liberdade de expressão para expor ideias que atacavam a
democracia “por mais incisivas que sejam determinadas colocações, críticas,
discordâncias e embates ideológicos”. André Ramos Tavares também esclareceu que
o foco do discurso da Aije são os ataques “comprovadamente infundados e
absolutamente falsos, sistemáticos e notórios contra a urna eletrônica, o
processo e a Justiça Eleitoral”. Dessa forma, considerou não ser possível se
convencer da tese de que o discurso teria ocorrido no sentido de melhoramento
do sistema eleitoral.
Ele lembrou que Bolsonaro questionou o sistema eleitoral brasileiro por
pelo menos 23 vezes no ano de 2021. De acordo com o ministro, é inviável
ignorar esses fatos. “É possível constatar ataques infundados que se escoraram
em boatos”, enfatizou. Outro impacto evidenciado pelo ministro diz respeito aos
receptores das falas proferidas por Bolsonaro na reunião. “O discurso foi
dirigido para todo e qualquer interessado. Resta em total desacordo com as
provas dos autos a afirmativa de que o discurso dirigia-se apenas a
embaixadores estrangeiros”, finalizou.
Leia mais: Com o placar de
3 a 1 pela inelegibilidade de Bolsonaro, TSE suspende julgamento
·
Cármen Lúcia
Ao votar pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro, acompanhando o relator,
a vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, afirmou que a reunião entre o
então presidente e embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, foi um monólogo
de caráter eleitoreiro em que Bolsonaro lançou dúvidas, sem qualquer prova,
sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas e da Justiça Eleitoral, condutora
das eleições. A ministra destacou os ataques agressivos feitos por Bolsonaro à
honradez de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio TSE.
“Não há democracia sem o Poder Judiciário independente. Os ataques não
tinham razão de ser, a não ser desqualificar a Justiça Eleitoral, o próprio
Poder Judiciário e atacar a própria democracia“, disse Cármen Lúcia.
A ministra salientou que, na ótica qualitativa da gravidade da conduta,
o então presidente fez uso indevido dos meios de comunicação, com a transmissão
do evento feita ao vivo pela emissora estatal TV Brasil e também em redes
sociais. No aspecto quantitativo, Cármen Lúcia disse que a divulgação do
encontro de Bolsonaro com os diplomatas alcançou um número expressivo de
pessoas que votariam nas eleições, que ocorreriam dali a três meses.
“Isso tudo de desqualificar, essa consciência de perverter, faz com que
não apenas o ilícito tenha acontecido, mas coloca em risco a normalidade e a
legitimidade do processo eleitoral e, portanto, da própria democracia. Mas isso
[o discurso de Bolsonaro] foi divulgado, ou seja, com o uso indevido dos meios
de comunicação, para solapar a confiabilidade de um processo sem o qual nós não
teríamos sequer o Estado de Direito, porque a Constituição não se sustentaria”,
afirmou Cármen Lúcia.
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Nunes Marques
O ministro Nunes Marques acompanhou a divergência aberta pelo ministro
Raul Araújo para julgar improcedente a Aije do PDT por entender que a conduta
não foi suficiente para impor a inelegibilidade de Bolsonaro. “Não identifico
conduta atribuída ao ex-presidente que justifique a aplicação das graves
sanções previstas na legislação”, ressaltou, ao considerar que o discurso feito
pelo ex-presidente aos embaixadores não teve gravidade suficiente para quebrar
a igualdade entre futuros candidatos ao pleito nem influenciar negativamente o
comparecimento massivo de eleitores às urnas eletrônicas.
Em contraponto ao discurso de Bolsonaro, Nunes Marques reiterou que o
sistema de votação tem "irrefutável integridade" e ressaltou que
temos um processo eleitoral confiável reconhecido como uma pedra angular de
nossa democracia, acrescentando que a urna eletrônica é símbolo da nossa
eleição desde 1996 e representa um marco importante da plena liberdade da
expressão do voto.
Entretanto, afirmou que a integridade não significa que o sistema de
votação mais avançado do mundo não seja passível de quesitonamento ou de debate
em busca de aperfeiçoamento. Para Nunes Marques, a atuação de Bolsonaro na
reunião não se voltou para obter vantagens políticas com o discurso ou
desacreditar o sistema, mas para debater melhorias.
·
Alexandre de Moraes
Último a se manifestar, o ministro Alexandre de Moraes também acompanhou
integralmente o relator. Ele lembrou que Bolsonaro violou parâmetros definidos pelo
Tribunal desde 2021 sobre condutas em que eventuais
candidatos às Eleições 2022 não deveriam incorrer, no sentido de tentar
desacreditar o sistema eletrônico de voto perante a população, em um ataque
direto à Justiça Eleitoral e à própria democracia. O Plenário já havia definido que
tal conduta poderia ser considerada abuso de poder.
“Isso ficou pacificado e como um alerta para se evitar exatamente o que
estamos fazendo hoje, que é evitar que o descumprimento do que já era pacífico
gerasse a inelegibilidade daqueles que insistissem em praticar esses ilícitos
eleitorais”, explicou Moraes.
Durante o episódio debatido na Aije, de acordo com o ministro, o então
candidato à reeleição fez mau uso da função para o qual foi eleito e deturpou a
atribuição a ele conferida quando:
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organizou o evento, convocou embaixadores
utilizando-se do cargo e do cerimonial da Presidência a menos de dois meses do
primeiro turno das Eleições Gerais de 2022;
·
empregou recursos públicos e a estrutura do Palácio
da Alvorada;
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transmitiu o encontro com estrangeiros ao vivo pela
TV Brasil;
·
propagou o vídeo pela redes sociais com o objetivo
de levantar dúvidas sobre o voto eletrônico e insuflar eleitores contra a
Justiça Eleitoral e as demais candidaturas
“Um presidente da República que ataca a Justiça Eleitoral, ataca a
lisura do sistema eleitoral que o elege há 40 anos? Isso não é exercício de
liberdade de expressão. Isso é conduta vedada, e, ao fazer isso utilizando-se
do cargo de presidente, do dinheiro público, da estrutura do Alvorada e da TV
pública, é abuso de poder. Ao preparar tudo isso para imediatamente bombardear
o eleitorado via redes sociais, é uso indevido dos meios de comunicação”,
pontuou.
Todos os atos, segundo Moraes, ocorreram de forma encadeada, seguindo um
plano traçado com claro objetivo de atacar a credibilidade das instituições
democráticas brasileiras e influenciar negativamente o eleitorado. Na avaliação
do ministro, a resposta dada pelo TSE durante a análise do caso confirma a fé
no Estado Democrático de Direito e na democracia, além de demonstrar repúdio ao
populismo “renascido a partir das chamas” dos discursos de ódio e que
disseminam desinformação.
Histórico do julgamento
O julgamento teve duração de quatro sessões (dias 22, 27, 29 e 30 de
junho) até ser concluído nesta sexta-feira. O ponto de partida foi a
apresentação do relatório pelo corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito
Gonçalves. Na sequência, a sustentação oral foi feita pelo representante do
Partido Democrático Trabalhista (PDT), autor da ação, e a defesa foi feita pelo
advogado que representou Bolsonaro e Braga Netto. Também foi anunciado o
parecer do Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral) pelo
vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet Branco. Ele opinou pela
inelegibilidade somente de Bolsonaro e para que fosse absolvido Braga Netto.
A segunda sessão foi destinada exclusivamente ao extenso voto do
relator, que analisou detalhadamente o caso e fez uma rigorosa avaliação de
todas as provas produzidas ao longo da instrução do processo. Na terceira
sessão, votaram os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André
Ramos Tavares. Já a sessão de hoje foi destinada aos votos da ministra Cármen
Lúcia, do ministro Nunes Marques e do ministro Alexandre de Moraes.
EM, MC, BA/CM, DB
Processo relacionado: Aije 0600814-85.2022.6.00.0000